Fábrica de melancolias suportáveis | Raquel Gaspar Silva
Foi com grande alegria que encontrei nas livrarias este romance de uma autora portuguesa estreante. Esta edição da Elsinore é simplesmente linda, dá gosto pegar neste livro. Claro que tinha que o trazer aqui para casa.
Assim que pousamos os olhos nas primeiras linhas percebemos que este livro tem muito pouco de convencional. A escrita é poética e delicada, mas de uma forma bastante compreensível. Pareceu-me sentir ao início o esforço da autora para começar neste registo tendo-se depois tornado como uma segunda pele. Está muito bem escrito, disso não há dúvida. Aqui temos as tradições portuguesas como pano de fundo, os provérbios e rituais, os "dizeres" são a linha da verdade para alguns dos personagens. Outros, desafiam estas convicções, constroem a sua vida à parte de tudo isso. Carlota, a nossa narradora, conta-nos tudo acerca das diferenças desta família vista de dentro. Não há vergonha neste relato, não se importa com julgamentos.
Encontramos mulheres fortes e frágeis, ter a coragem de ser diferente é também uma forma de demonstrar força. O testemunho de Carlota é uma dessas formas de nos mostrar força, a mesma que a fez ultrapassar tudo e ainda estar presente (com as inevitáveis feridas do passado).
Esta é uma história muito portuguesa, cheia das nossas particularidades, das nossas vozes que por vezes são tão pequeninas. Mas Carlota não, Carlota é muito grande. A sua voz eleva-se acima dos mortos e feridos e ocupa o lugar da razão. A memória, apesar por vezes dolorosa, consegue (também por vezes) trazer algum entendimento.
Apesar disto houve qualquer coisa que não me permitiu entrar na história como gostaria, mantive-me sempre à superfície, sem me deixar afectar pelas suas memórias. Passei pelos espaços entre as gotas da chuva. (Há coisas e dias assim).
Mas reafirmo: vale a pena conhecer esta autora que me parece estar apenas a começar.
"Sonho é balão que insufla e desincha, consoante se cumpre ou adia."